DESTAQUEREGIÃO AMAZÔNICA

Cacau silvestre volta a florescer na Reserva Chico Mendes após dois anos de interrupção

Famílias extrativistas acreanas retomam a colheita do cacau nativo com apoio da SOS Amazônia e do fundo LIRA/IPÊ, colhendo os primeiros frutos de áreas restauradas

Após dois anos sem colheita devido a eventos climáticos extremos — uma grande alagação em 2022 e uma seca severa em 2023 —, famílias extrativistas da Reserva Extrativista Chico Mendes, em Sena Madureira (AC), celebram a retomada da produção de cacau silvestre da Amazônia. A safra de 2025 marca não apenas o retorno da colheita, mas também a primeira produção oriunda de áreas de floresta restaurada, resultado de um trabalho contínuo com apoio técnico da SOS Amazônia e do fundo LIRA/IPÊ (Instituto de Pesquisas Ecológicas).

O cacau silvestre, nativo da Amazônia e encontrado em áreas de várzea, é valorizado por seu aroma e sabor únicos. Suas amêndoas são fermentadas e secas artesanalmente pelas comunidades e vendidas a empresas que reconhecem o valor da floresta em pé e do trabalho tradicional. Uma dessas parceiras é a Luisa Abram Chocolates, que disponibilizou um técnico para acompanhar e orientar as etapas de quebra, fermentação e beneficiamento.

“A gente sabia que o cacau estava lá, mas a floresta precisava de tempo. Quando vi que os frutos tinham voltado, fui atrás, mobilizei os vizinhos e pedi apoio para retomar tudo de novo. Inclusive, o técnico da Luisa Abram veio dar um curso na comunidade para nos ensinar a fermentar corretamente cada lote de amêndoas. Agora está acontecendo de verdade. Meu plano é continuar todo ano. Quem quiser parcerias ou quiser vir conhecer nossa área, nosso portão está aberto, porque eu não vou desistir desse projeto”, conta Seu Caru, liderança da Associação dos Moradores e Produtores da Reserva Chico Mendes (AMOPRESEMA) e pai do presidente da associação.

Parte da colheita de 2025 provém de sistemas agroflorestais implantados há quatro anos, que combinam mudas de cacau nativo com outras espécies como banana, açaí e castanheira. Essas áreas foram restauradas com apoio técnico e fazem parte de uma estratégia de longo prazo para conciliar recuperação ambiental e geração de renda local.

“A floresta respondeu. E o mais importante é que a comunidade também respondeu — com conhecimento, com vontade, com organização. Essa safra é pequena, mas cheia de significado”, afirma Adair Duarte, gerente do Programa de Restauração da Paisagem Florestal da SOS Amazônia.

Projeto Nossabio

Territórios Conservados, que atua em cinco Unidades de Conservação no Acre e Rondônia, beneficia cerca de 315 famílias. Com apoio do LIRA/IPÊ, a iniciativa promove o uso sustentável dos recursos naturais, oferece capacitações, estrutura núcleos de beneficiamento e fortalece a governança comunitária.

“O cacau é um símbolo potente: ele exige manejo paciente, cuidado técnico e conexão com o tempo da floresta. Ver os frutos voltando — inclusive nas áreas restauradas — mostra que o investimento feito está dando retorno social, ambiental e econômico”, avalia Fabiana Prado, gerente do LIRA/IPÊ.

O beneficiamento das amêndoas segue padrões técnicos definidos em cartilha da SOS Amazônia, abrangendo desde a colheita, quebra e fermentação até a secagem em barcaças e o transporte por barco e estrada até os pontos de venda. Todo o processo é manual e envolve o conhecimento acumulado por gerações. A produção também se alinha ao movimento de valorização de ingredientes nativos da Amazônia no mercado brasileiro e internacional.

“A floresta voltou a dar frutos, mas isso não acontece por acaso. O que sustenta esse processo é a continuidade: anos de apoio técnico, presença de parceiros e, principalmente, a vontade das famílias de seguir em frente, mesmo diante dos impactos das mudanças climáticas”, diz Neluce Soares, coordenadora do LIRA/IPÊ.

A expectativa é que, nos próximos anos, mais famílias possam colher frutos das áreas restauradas e ampliar a escala da produção. A parceria com empresas como a Luisa Abram, que pagam acima do valor de mercado e atuam diretamente com as comunidades, contribui para garantir uma relação comercial justa e duradoura.

“O LIRA/IPÊ aposta em cadeias da sociobiodiversidade porque elas conectam conservação, conhecimento tradicional e desenvolvimento. O que estamos vendo no Acre é o resultado concreto dessa aposta — e isso precisa ser valorizado, replicado e protegido”, reforça Fabiana.

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