DESTAQUEMEIO AMBIENTE

Transição energética à brasileira acelera colapso climático e ameaça modos de vida tradicionais

Estudo revela que avanço da extração de lítio e outros minerais impulsiona desmatamento, escassez de água e doenças nas populações da Amazônia, Cerrado e Caatinga

Enquanto o mundo se prepara para a Conferência do Clima das Nações Unidas (COP30), que será realizada em Belém (PA), um estudo inédito divulgado nesta quarta-feira (23/4) pelo Observatório da Mineração, a partir de dados elaborados pela consultoria TMP, que analisa eventos climáticos extremos.

O estudo, lança um alerta: o Brasil está trocando a dependência de combustíveis fósseis por uma nova dependência – a da mineração de alto impacto ambiental, muitas vezes instalada em regiões sensíveis como a Amazônia, o Cerrado e o semiárido nordestino.

A pesquisa, elaborada com dados da consultoria TMP, especializada em eventos climáticos extremos, aponta que os estados do Pará, Bahia, Goiás e Minas Gerais – principais polos produtores de minerais da chamada transição energética – devem enfrentar alterações climáticas severas até 2030, com impactos diretos no ciclo das águas, na saúde das populações e na segurança energética nacional.

No Pará, estado amazônico que concentra 90% da produção de alumínio no país, os riscos de eventos climáticos extremos são considerados altíssimos. A corrida por minerais estratégicos como bauxita, lítio, níquel e cobre pode transformar a floresta em zona de sacrifício ambiental e humano, segundo o relatório.

“Estamos vendendo a imagem de uma transição verde, mas o que se desenha é um modelo de transição suja, onde os custos recaem sobre os territórios e populações mais vulneráveis”, afirma Maurício Angelo, diretor do Observatório da Mineração.

Vale do Lítio e a dor invisível

Em Araçuaí, no Vale do Jequitinhonha (MG), a indígena Cleonice Pankararu, 58 anos, denuncia o que já virou rotina: explosões com dinamite, rios desaparecendo e crianças doentes com frequência. “Antes do lítio, a gente gripava de vez em quando. Agora, a gente vive doente. É muita diarreia, muita tosse, muita tristeza”, relata.

Cleonice vive na Aldeia Cinta Vermelha Jundiba, onde pataxós e pankararus aguardam há anos pela demarcação da terra tradicional. A região, hoje apelidada de “Vale do Lítio”, concentra 80% das reservas brasileiras do mineral usado em baterias para carros elétricos e outros dispositivos.

Minas Gerais já tem sete projetos de mineração de lítio em expansão, com expectativa de quintuplicar a produção até 2028 e atrair US$ 6 bilhões em investimentos. Mas a que custo?

Água, energia e desigualdade

A mineração consome quantidades colossais de água e energia elétrica. Só em 2021, o setor minerometalúrgico utilizou 11% de toda a eletricidade gerada no país, mesmo contribuindo com apenas 3% do PIB. O estudo revela que entre 32% e 39% das sub-bacias de Minas, Goiás e Bahia registraram redução de mais de 10% na extensão dos rios, o que coloca a região em “nível de alto risco hídrico”.

Como a matriz energética brasileira ainda depende das hidrelétricas, esse colapso das bacias pode, ironicamente, comprometer a própria transição energética.

“Estamos tentando combater a crise climática criando outra: a crise hídrica e ecológica”, resume a consultora Gabriela Sarmet, uma das autoras do estudo. “É um paradoxo perverso.”

Amazônia na encruzilhada

No coração da Amazônia, o Pará lidera tanto a produção de minerais como a vulnerabilidade ambiental. A expansão da mineração, aliada ao enfraquecimento dos mecanismos de fiscalização e aos interesses do Congresso Nacional, coloca o estado em rota de colisão com os compromissos assumidos pelo Brasil no Acordo de Paris.

“Belém será sede da COP30, mas a floresta em volta dela está sendo desmatada para atender a demanda do Hemisfério Norte por minerais da transição. É uma contradição absurda”, critica Sarmet.

Caminhos possíveis

O estudo recomenda mudanças urgentes na política mineral brasileira: maior rigor nos licenciamentos, transparência, fiscalização independente e participação das comunidades tradicionais nos processos decisórios.

Para Cleonice Pankararu, o primeiro passo é simples: escutar. “A gente não é contra o progresso. Mas querem nosso chão, nossa água, nossa saúde e nossa cultura. E isso, meu amor, ninguém tem o direito de levar.”

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Pular para o conteúdo