Infraestrutura

Condenação marca avanço no combate à violência contra indígenas no Amazonas

Réu é sentenciado a 15 anos e 7 meses por homicídio de indígena em Pauini; casos seguem impulsionados por disputa de terras, recursos e impunidade

No município de Pauini (AM), nas proximidades da Terra Indígena Catipari/Mamoriá, a Justiça Federal condenou um extrativista a 15 anos e 7 meses de reclusão em regime fechado pelo assassinato de um indígena ocorrido em 19 de abril de 2016. A sentença representa uma rara vitória judicial em um cenário marcado pela lentidão e pela impunidade nos crimes cometidos contra povos originários.

O crime ocorreu após um desentendimento sobre o uso do Lago Inari, tradicionalmente utilizado por indígenas da região e disputado por extrativistas da comunidade vizinha de Nazaré. A vítima foi atingida por disparo de arma de fogo na frente do filho de 9 anos, que remou por duas horas com o corpo do pai até a aldeia — um ato que ilustra, em dimensão humana, a brutalidade da violência que ainda atinge comunidades indígenas na Amazônia.

Retrato da violência e omissão do Estado

Relatórios recentes de organizações indigenistas e de direitos humanos mostram que a violência contra os povos indígenas permanece em níveis alarmantes. Entre 2019 e 2023, o país registrou aumento expressivo de homicídios contra indígenas, com destaque para o Amazonas e o Maranhão, estados que concentram parte das disputas territoriais mais intensas.

Em 2020, por exemplo, foram documentadas 182 mortes de indígenas no Brasil — um salto de 61% em relação ao ano anterior. No Amazonas, os dados indicam que os homicídios se mantêm recorrentes e subnotificados, especialmente em regiões de difícil acesso, onde a ausência de fiscalização e de presença institucional favorece a atuação de invasores, garimpeiros e madeireiros ilegais.

Conflitos que se repetem

As causas dos crimes contra indígenas seguem uma lógica que se repete há décadas, disputa por território e recursos naturais, envolvendo invasões, pesca ilegal, exploração extrativista e garimpo; impunidade, fruto da falta de investigação efetiva e da omissão de órgãos públicos na proteção das terras indígenas.

Violência dirigida a lideranças, muitas vezes como forma de intimidação de comunidades que resistem à exploração ambiental.

O caso de Pauini espelha esse padrão: o conflito pelo uso do lago é um microcosmo das tensões entre a economia extrativista tradicional e os direitos territoriais indígenas — um confronto que expõe as fragilidades da política ambiental e de proteção aos povos originários.

Vozes da resistência e o significado da sentença

Lideranças indígenas destacam que decisões como a de Pauini representam avanços simbólicos, mas ainda insuficientes para garantir segurança e dignidade às comunidades.

“Não basta prender um agressor. É preciso que o Estado garanta que nossas crianças cresçam sem medo, em nossas terras, pescando, plantando, vivendo como nossos ancestrais viveram”, declarou uma liderança local.

Outro líder reforçou que a violência tem dimensão coletiva, disse que: “Quando um irmão é morto por defender nossas águas ou floresta, a Terra Indígena inteira chora. Justiça precisa ser também proteção.”

A condenação reforça a atuação do Ministério Público Federal (MPF) e de instituições judiciais que buscam fortalecer o combate à violência contra povos originários, mas evidencia, ao mesmo tempo, a urgência de políticas públicas estruturantes — desde a demarcação de terras até a criação de protocolos de segurança específicos para lideranças e defensores ambientais.

Um passo que precisa de continuidade

A sentença em Pauini é um passo importante, mas não deve ser vista como ponto de chegada.
A cada nova condenação, reafirma-se a possibilidade de responsabilização, mas também a constatação de que a justiça tarda demais quando se trata de vidas indígenas.

Enquanto não houver presença constante do Estado, fiscalização efetiva e reconhecimento pleno dos direitos territoriais, a floresta continuará chorando seus guardiões.
Para os povos indígenas da Amazônia, a luta é pela vida — e por um futuro em que existir em suas próprias terras não seja um ato de resistência, mas de direito.

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