Estudo revela desigualdades na mortalidade por Aids no Amazonas
Pesquisa aponta queda recente nas mortes, mas expõe persistência de vulnerabilidades sociais, raciais e territoriais, com concentração de casos em homens jovens e moradores da capital
Manaus (AM) — Um estudo científico sobre a mortalidade por Aids no Amazonas trouxe à tona um panorama complexo da doença no estado: apesar da queda nas taxas nos últimos anos, persistem desigualdades profundas no perfil das vítimas e na distribuição geográfica dos óbitos.
A pesquisa, desenvolvida pela estudante de Medicina Kaísa Lindomara dos Santos Figueiredo, da Universidade Nilton Lins, analisou dados de 3.829 mortes por Aids registradas entre 2007 e 2023, com foco em fatores sociodemográficos, padrões temporais e espaciais e determinantes sociais ligados à doença. O trabalho conquistou o 2º lugar na 10ª Jornada Científica da Fundação de Vigilância em Saúde do Amazonas – Dra. Rosemary Costa Pinto (FVS-RCP).
Crescimento inicial seguido de queda sustentada
A análise revelou duas fases distintas na evolução da mortalidade por Aids no estado: entre 2007 e 2012 houve um aumento médio de 15,8% ao ano, seguido por uma redução anual de 7,3% entre 2012 e 2023.
A redução está associada à ampliação do acesso a medicamentos antirretrovirais e à expansão dos serviços de saúde, mas os dados mostram que a queda foi desigual entre as regiões. Enquanto os óbitos diminuíram em vários municípios do interior a partir de 2016, as taxas permaneceram elevadas em Manaus, Parintins e Autazes.
Interiorização e desigualdades territoriais
O estudo mapeou a interiorização dos óbitos nos primeiros anos da série, com forte presença em municípios da calha do Solimões e do Alto Rio Negro, como Tefé, e crescimento posterior nas regiões do Baixo Solimões e Baixo Amazonas.
Essa distribuição geográfica evidencia, segundo os autores, a relação entre mortalidade e desigualdade no acesso à saúde, especialmente em municípios mais isolados, com infraestrutura precária e baixa cobertura da atenção básica.

Homens jovens e negros concentram os óbitos
O levantamento mostrou que homens representam 73% dos óbitos, e a maioria das vítimas se autodeclara preta (90%), tem entre 12 e 39 anos (jovens adultos) e vive na capital (82%). A transmissão sexual esteve presente em 99% dos casos, e fatores de risco como idade avançada, uso de drogas injetáveis e diagnóstico tardio — já na fase de Aids — aumentaram em até 34 vezes as chances de morte.

“A pesquisa mostra claramente quais populações estão mais vulneráveis e aponta caminhos para o fortalecimento das políticas públicas, como a descentralização dos serviços, a ampliação da testagem precoce e o foco em populações-chave”, afirma Kaísa Figueiredo.
Estigma e vulnerabilidade social como barreiras
Além dos fatores clínicos, o estudo ressalta que dimensões sociais, culturais e geográficas influenciam diretamente a mortalidade por Aids. O estigma, a discriminação e a baixa escolaridade seguem como barreiras ao diagnóstico precoce e ao acesso aos serviços de saúde, especialmente no interior.
“A luta contra a Aids vai além do diagnóstico e do tratamento. É essencial investir em educação, combate ao estigma e fortalecimento das comunidades mais vulneráveis, para que a resposta seja de fato eficaz”, defende a pesquisadora.
Metodologia e inovações
O estudo utilizou dados do Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan) e do Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM), aplicando análises temporais com o modelo Joinpoint, mapas temáticos no software QGIS para avaliação espacial e regressão logística multivariada para identificar fatores de risco.
Um diferencial foi o uso de record linkage entre bases de dados, permitindo caracterizar melhor os óbitos e reduzir subnotificações.
Reconhecimento científico e novos talentos
Coordenado por Timoteo Tadashi Watanabe (FVS-RCP) e orientado por Daniel Barros de Castro (Fundação de Medicina Tropical Doutor Heitor Vieira Dourado), o trabalho integra um movimento de renovação científica na vigilância em saúde do Amazonas.
Além do segundo lugar de Kaísa, a Jornada premiou outros dois estudos: o primeiro lugar ficou com Patrícia dos Santos Souza, com pesquisa sobre vigilância de fungos do gênero Candida em efluentes clínicos, e o terceiro com José Victor Casas dos Santos, que analisou o abandono da terapia antirretroviral por pessoas vivendo com HIV/Aids no estado.