DESTAQUEMEIO AMBIENTE

O futuro do planeta está sendo testado perto de Manaus

Projeto AmazonFACE, instalado na estação ZF2 – acesso pela AM-010, simula a atmosfera de 2060 para descobrir se a floresta continuará capturando carbono ou se pode virar fonte de emissões

A oitenta quilômetros de Manaus, quando a estrada AM-010 começa a perder o asfalto da cidade e ceder lugar ao cheiro de terra úmida, uma clareira científica se abre no meio da floresta. Ali, onde árvores centenárias formam um teto que o sol mal atravessa, o Brasil abriga um experimento que pode mudar o curso do debate climático mundial. É na Estação de Pesquisa ZF2, território do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia, que o projeto AmazonFACE se levanta como uma espécie de janela para o futuro da floresta.

O AmazonFACE não tenta imaginar o que virá. Ele coloca a Amazônia diante do amanhã. Em áreas circulares instaladas entre árvores intactas, cientistas criaram uma atmosfera diferente daquela que respiramos hoje, com mais dióxido de carbono, mais calor e mais pressão sobre os organismos vivos, simulando o que a ciência projeta para meados deste século. Em vez de laboratório, floresta. Em vez de teoria, resposta direta da natureza.

A concepção e a execução do projeto são responsabilidade de pesquisadores brasileiros, com coordenação científica dividida entre o Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia e a Universidade Estadual de Campinas. O professor Carlos Alberto Quesada, do INPA, figura entre os principais responsáveis pela condução ecológica e técnica do experimento. Do lado da Unicamp, o professor David Lapola coordena o desenho científico e integra o projeto às grandes perguntas sobre clima e produção agrícola que movem boa parte do debate internacional.

A força do experimento não está apenas no que se observa, mas em quem observa. AmazonFACE reúne equipes de biogeoquímica, modelagem do clima, ecologia de solo, fisiologia de plantas e impactos socioambientais, numa composição rara no Brasil. A pesquisa envolve cooperação com instituições de vários países, o que amplia a rede científica capaz de traduzir os resultados em decisões reais sobre o planeta.

Financiar esse tipo de projeto exige mais que boa vontade. A principal contribuição financeira externa vem do governo do Reino Unido, que por meio do seu Programa de Desenvolvimento Internacional investiu mais de cinquenta milhões de reais na infraestrutura e na operação. O interesse britânico não é mero altruísmo: quem sustenta a ciência, sustenta também sua capacidade de influenciar negociações e vetos na mesa das discussões sobre clima.

Dentro da floresta, o tempo corre como em um relógio invertido. Seis grandes estruturas metálicas, cercando árvores vivas, liberam dióxido de carbono controladamente. Sensores capturam cada respiração da floresta: quando as árvores absorvem carbono, quando o solo devolve CO₂, quando a água infiltra ou evapora. O que está sendo monitorado é mais do que a vida das plantas. É a capacidade de a Amazônia continuar sendo o pulmão climático que define o equilíbrio de temperatura do planeta.

A comunidade científica vê o AmazonFACE como peça-chave para embasar decisões sobre crédito de carbono, financiamento climático, metas ambientais e adaptação de territórios vulneráveis. Os resultados do experimento são esperados para integrar discussões em conferências como a COP, mas, mais do que isso, podem reescrever a lógica do que chamamos de responsabilidade climática.

Se a floresta mostrar sinais de cansaço, se a simulação do futuro revelar que ela não consegue mais fazer o que fez por milênios — capturar carbono e resfriar o mundo — então a pergunta que o planeta terá de fazer deixará de ser “o que podemos salvar?” e passará a ser “o que ainda pode ser evitado?”

A Amazônia respira o amanhã enquanto o país ainda discute o presente. O experimento está lá, escondido entre raízes profundas, provando que a comunicação entre floresta e humanidade não é metafórica, é científica. Ouvir — ou ignorar — será uma escolha política.

Fotos: divulgação

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