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Culpar a Zona Franca de Manaus pela destruição da Amazônia é desconhecer o território e negar a história da própria floresta

Artigo no Valor Econômico ignora dados, reforça estigmas e demonstra despreparo para entender o modelo que mantém mais de 90% do Amazonas preservado

Por Dora Tupinambá (*)

Uma acusação publicada nesta segunda-feira (10/11) no Valor Econômico tenta responsabilizar a Zona Franca de Manaus (ZFM) pela degradação ambiental na Amazônia. O texto, assinado pelo economista e colunista Bruno Carazza, descreve o Polo Industrial de Manaus como “poluidor” e sugere que o modelo é um obstáculo à sustentabilidade.

Mas o argumento, além de impreciso e desinformado, revela desconhecimento histórico, fragilidade analítica e uma dose de preconceito regional — ao tratar a ZFM como vilã, e não como o instrumento que ajudou a manter a floresta em pé.

Desinformação e desconhecimento de causa

Criada em 1967 por decreto-lei, a Zona Franca de Manaus nasceu com um objetivo claro: promover desenvolvimento econômico na Amazônia Ocidental sem destruir a floresta.

É um modelo de integração e soberania que gerou e gera milhares de empregos diretos e indiretos, reduziu a dependência de atividades extrativistas e fixou população urbana em uma região que, antes, via na derrubada da mata a única forma de renda.

Ignorar esse contexto é, no mínimo, um erro histórico.

Mais de 90% do território do Amazonas permanece coberto por floresta, segundo dados do MapBiomas e da Secretaria de Meio Ambiente do Estado. Nenhum outro polo industrial do planeta mantém índices de conservação equivalentes.

Se o Amazonas é o estado mais preservado do Brasil, como pode o seu principal motor econômico ser o responsável pela destruição ambiental?

Quando o preconceito fala mais alto que a apuração

A crítica publicada em São Paulo também expõe um traço de xenofobia disfarçada de análise econômica.

Ao culpar o modelo amazônico pelos males ambientais da floresta, a narrativa reforça o velho estigma de que o Norte é um peso, não parte da solução.

É a reprodução de um olhar centralista, que trata a Amazônia como “problema nacional” e seus instrumentos de desenvolvimento como “anomalias”.

A ZFM não é um entrave: é uma resposta econômica e política a séculos de desigualdade regional e abandono institucional.

Fatos que a reportagem esqueceu de citar

O Amazonas é o estado com maior cobertura vegetal preservada do país, com 92,92% do território coberto por floresta nativa.

O Polo Industrial de Manaus (PIM) responde por centenas de milhares de empregos diretos e indiretos e arrecadação superior a R$ 160 bilhões ao ano, segundo dados da Suframa.

O modelo evita que a economia regional dependa exclusivamente de atividades como garimpo e agropecuária predatória — que são, de fato, as principais causas do desmatamento na Amazônia Legal.

As empresas da ZFM operam sob rígido controle ambiental e fiscal, com exigências legais superiores às médias nacionais.

Nada disso aparece no texto publicado no Valor Econômico. O colunista, sem apresentar dados concretos sobre emissões, desmatamento ou poluição industrial, recorre a generalizações ideológicas e conclusões apressadas — o oposto da análise técnica e do jornalismo responsável.

O papel da Zona Franca na floresta que resiste

Mais do que um polo industrial, a Zona Franca é um escudo econômico de proteção ambiental.

Ao oferecer alternativas legítimas de renda e emprego em meio à floresta, o modelo ajuda a reduzir a pressão sobre os recursos naturais e garante que a Amazônia seja parte do futuro — e não uma nota de rodapé em relatórios climáticos.

O Amazonas tem problemas reais: a grilagem, o garimpo ilegal, a omissão federal em áreas de fronteira. Mas nenhum deles passa pela linha de montagem da ZFM.

Pelo contrário: a indústria instalada em Manaus tem sido aliada na inovação, na bioeconomia e na sustentabilidade, com empresas investindo em energia limpa, reaproveitamento de resíduos e certificação ambiental.

O que a Amazônia precisa — e o que o Brasil precisa aprender

Culpar a Zona Franca de Manaus é escolher o inimigo errado.

É mais fácil atacar um modelo amazônico do que reconhecer o fracasso de décadas de concentração econômica e política no eixo Sudeste.

É mais cômodo chamar de “subsídio” o que, na prática, é compensação histórica e instrumento de soberania nacional sobre a maior floresta tropical do planeta.

A Amazônia precisa de diálogo, não de desprezo.

E o Brasil precisa entender que, sem desenvolvimento local, não há preservação possível.

A floresta em pé é também resultado de um modelo econômico que mantém gente, emprego e futuro aqui — na beira do Rio Negro, e não apenas nas planilhas de Brasília ou São Paulo.

(*) jornalista amazônida, fundadora do Valor Amazônico

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