Amazônia responde antes da COP 30 com chuva, seca e desequilíbrio climático
Fenômenos extremos se intensificam no Norte e transformam o clima amazônico em alerta vivo à comunidade internacional
A natureza parece ter decidido enviar uma mensagem direta às vésperas da COP 30, conferência do clima que, em 2025, reunirá em Belém os principais líderes mundiais para discutir o futuro ambiental do planeta. Enquanto os preparativos políticos e diplomáticos avançam, a Amazônia responde por si só — com chuvas fora de época, rios em cheias anormais, fumaça, calor e estiagens severas, contrastes que desafiam qualquer padrão climático recente.
Nas últimas semanas, Manaus tem vivido dias de céu encoberto, pancadas de chuva e trovoadas quase diárias, mesmo em pleno período conhecido como “verão amazônico”. O Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet) e o Sistema de Proteção da Amazônia (Sipam) confirmam que, até a segunda semana de outubro, a capital amazonense acumulava chuvas 20% acima da média histórica para o mês — um comportamento atípico, já que o período seco normalmente se estende até novembro.
“O clima amazônico está passando por uma reconfiguração complexa. O que era previsível há dez anos hoje é exceção. Há uma combinação de umidade residual, circulação atmosférica alterada e aquecimento global que vem mudando o ritmo das estações”, explica o meteorologista Luiz Carlos Ferreira, do Sipam.
Verão amazônico com cara de inverno
A inversão climática tem surpreendido tanto cientistas quanto moradores. Em bairros periféricos de Manaus, alagamentos pontuais, queda de árvores e enxurradas têm sido registrados com frequência.
Segundo o Climatempo, a mudança está associada a anomalias nos oceanos Atlântico e Pacífico, que alteram os ventos de superfície e intensificam a formação de nuvens carregadas sobre o Norte do país.
Além disso, o resfriamento parcial do Pacífico Equatorial e a presença de massas úmidas da Alta da Bolívia criam condições para temporais localizados, mesmo em meses tradicionalmente mais secos.
O resultado é uma estação híbrida — nem seca o suficiente para conter a umidade, nem chuvosa o bastante para regularizar os níveis dos rios.
“É como se a floresta estivesse tentando equilibrar o próprio sistema, mas sem encontrar estabilidade. Isso é reflexo direto da instabilidade global”, analisa o climatologista Júlio Bentes, da Universidade do Estado do Amazonas (UEA).
Enquanto chove em Manaus, o Rio Madeira seca
O contraste climático na Amazônia é tão intenso que, enquanto a capital do Amazonas enfrenta chuvas quase diárias, o Rio Madeira — um dos principais corredores fluviais da região — volta a sofrer com estiagem severa.
De acordo com a Marinha do Brasil e o Sipam, o nível do rio está abaixo de 2,2 metros em trechos do sul do Amazonas e de Rondônia, comprometendo a navegação e o transporte de cargas. Em algumas áreas, embarcações foram obrigadas a reduzir o calado e até interromper viagens.
A situação revive o cenário crítico de 2023, quando o Madeira chegou a registrar apenas 25 centímetros em Porto Velho — o menor nível da história —, afetando comunidades ribeirinhas, abastecimento e comércio regional.
Mesmo neste ano, as chuvas recentes em Manaus não se refletem nas cabeceiras do rio, que ainda enfrentam baixa pluviosidade.
“É o retrato da crise climática: a mesma floresta enfrenta enchentes e estiagens em um curto intervalo de tempo”, reforça o climatologista Bentes, da UEA.
Da seca ao dilúvio: um bioma em desequilíbrio
O que se observa hoje na Amazônia é uma coexistência de extremos.
Enquanto Manaus registra chuvas acima da média, estados como Rondônia, Acre e parte do Pará enfrentam rios em níveis baixos e fumaça de queimadas.
Essa alternância entre fogo e água, calor e umidade, faz parte de um fenômeno que cientistas vêm chamando de “tropicalização do caos climático” — a perda de sincronia entre os ciclos da floresta.
“O clima amazônico deixou de ser previsível. Temos uma floresta em crise de autorregulação, reagindo ao aquecimento global e à degradação do solo”, afirma a pesquisadora Tânia dos Santos, climatologista da Rede Clima Brasil.
O alerta antes da conferência do clima
À medida que o mundo se prepara para a COP 30, que ocorrerá em novembro de 2025 em Belém, a floresta envia sinais de urgência.
Os eventos extremos, somados às queimadas recentes e às perdas agrícolas, colocam a Amazônia no centro da crise climática — não apenas como vítima, mas como protagonista.
Em setembro, a Organização Meteorológica Mundial (OMM) alertou que o Brasil vive a maior variabilidade climática dos últimos 30 anos, com recordes simultâneos de seca e chuva.
“A COP 30 tem de ser mais que um evento político: precisa ser um pacto pela sobrevivência da floresta e das populações que dependem dela”, defende Tânia.
Amazônia fala em várias vozes
Entre o barulho da chuva e o silêncio das margens secas do Madeira, a floresta parece dizer o que os relatórios científicos repetem há décadas: o tempo está mudando, e a Amazônia está reagindo.
Cada rio que transborda e cada leito que seca fazem parte de um mesmo grito — o de uma natureza em desequilíbrio, que tenta avisar ao mundo que a hora de agir é agora.
“A floresta está mandando o recado — e nós precisamos escutá-la antes que ela grite mais alto”, resume a ambientalista Marilurdes Silva, do movimento Mulheres da Floresta.