Justiça pune agressores de Fernando, mas homofobia segue impune
Adolescentes que agrediram e provocaram a morte de Fernando Vilaça ficarão, por três anos, em regime socioeducativo, mas, caso expõe urgência de políticas efetivas contra a homofobia em Manaus e no Brasil
A sentença saiu nesta quinta-feira (21/8), em Manaus: os dois primos, adolescentes de 16 e 17 anos, que espancaram Fernando Vilaça até a morte após ofensas homofóbicas, foram condenados à medida socioeducativa de internação em regime fechado por três anos — o limite máximo previsto pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).
O caso, que chocou o país, vai além da aplicação da lei. Expõe a ferida aberta da violência homofóbica no Brasil e a urgência de romper com a cultura de desumanização que ainda insiste em negar direitos básicos à população LGBTQIAPN+.
Fernando foi brutalmente agredido no início de julho, após insultos homofóbicos proferidos pelos agressores. Caiu, sofreu traumatismo craniano e morreu dias depois, aos 29 anos. Sua vida foi ceifada não por um assalto, uma briga de bar ou um “desentendimento banal”, mas por uma motivação torpe: a intolerância diante de sua existência.
A Justiça cumpriu seu papel, aplicando a medida mais severa do ECA. Mas a pergunta que ecoa é: quantos mais terão seus nomes inscritos em estatísticas de ódio antes que a sociedade brasileira encare de frente sua dívida com a diversidade?
Responsabilização não é vingança, é um passo
O regime fechado por três anos é, sim, uma resposta necessária, e o ECA prevê a reavaliação periódica da evolução dos jovens em centros socioeducativos. O Amazonas, vale lembrar, possui uma das menores taxas de reincidência do país em medidas de internação. Mas isso não significa que a punição, por si só, seja suficiente para dar conta do tamanho da chaga.
Sem políticas consistentes de educação para a diversidade, apoio às vítimas e campanhas de conscientização, a medida se esgota no limite de um processo judicial — e não gera transformação cultural. É preciso compreender que combater a homofobia não se resume a punir, mas a criar um ambiente social em que ela não floresça.
Quando a morte de um é o silêncio de muitos
O Brasil segue sendo um dos países que mais mata pessoas LGBTQIAPN+ no mundo. E Manaus, tristemente, se soma a esse ranking com índices alarmantes. O assassinato de Fernando não é um episódio isolado, é um alerta. A cada vida interrompida pela intolerância, a sociedade se torna cúmplice se permanecer inerte.
É aqui que a decisão judicial, embora necessária, revela seu limite: a Justiça pune os indivíduos, mas não alcança a cultura que os formou. Essa responsabilidade é coletiva — das famílias, das escolas, das igrejas, das mídias e do Estado.
Por um pacto de humanidade
A morte de Fernando Vilaça precisa se transformar em ponto de inflexão. O pacto que a Ordem dos Advogados do Brasil no Amazonas já cobrou — um pacto pela vida e dignidade da população LGBTQIAPN+ — precisa sair das notas de repúdio e se materializar em políticas públicas, em educação, em campanhas de respeito e em redes de proteção real.
Enquanto não assumirmos que o ódio é aprendido — e, portanto, pode ser desaprendido — continuaremos condenando jovens a unidades de internação e famílias ao luto irreparável.
O caso de Fernando nos chama à responsabilidade histórica: punir é o começo, humanizar é o desafio.