DESTAQUEREGIÃO AMAZÔNICA

COP30 sob ameaça: retrocessos ambientais e apagamento indígena expõem contradições no coração da Amazônia

A poucos meses da conferência climática em Belém, Congresso aprova lei que enfraquece proteção ambiental, enquanto mobilizações indígenas denunciam exclusão, repressão e perda de direitos em meio a um espetáculo diplomático que pode ignorar a realidade amazônica

A poucos meses da realização da 30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP30), em Belém do Pará, uma série de decisões políticas tomadas em Brasília e em governos estaduais lança dúvidas sobre o verdadeiro compromisso do Brasil com a preservação da Amazônia e os direitos dos povos originários. A mais recente e preocupante delas é a aprovação, pelo Congresso Nacional, de uma lei que flexibiliza os mecanismos de licenciamento ambiental para empreendimentos de médio porte — permitindo que os próprios empreendedores se certifiquem e acelerem seus processos de aprovação.

A nova norma foi classificada por ambientalistas e especialistas do setor como um “licenciamento autodeclaratório”, abrindo brechas para a expansão do desmatamento e ameaçando diretamente comunidades tradicionais e indígenas. O retrocesso ocorre no mesmo período em que o Brasil tenta construir uma imagem de liderança ambiental perante o mundo, justamente com a realização da COP30 marcada para os dias 10 a 21 de novembro de 2025, em território amazônico.

Contradição entre discurso e prática
Para analistas ouvidos pelo Financial Times, a medida legislativa revela uma perigosa incoerência entre a retórica do governo federal nos fóruns internacionais e as ações reais em solo nacional. Ao mesmo tempo em que promete metas ambiciosas de descarbonização e financiamento climático, o Brasil enfraquece internamente os instrumentos que limitam o avanço de empreendimentos predatórios sobre a floresta.

“A COP30 pode virar um carnaval climático”, alerta editorial recente do jornal El País, que critica os gastos bilionários na infraestrutura da conferência em Belém e aponta o risco de exclusão de representantes indígenas, quilombolas e movimentos populares — os verdadeiros guardiões da floresta. Para o veículo, há um processo de “espetacularização da pauta ambiental”, que pode esvaziar o conteúdo político do encontro e transformá-lo em mero palco diplomático para os chefes de Estado.

Resistência indígena e apagamento educacional
No Pará, epicentro da COP30, o descompasso entre as promessas e a realidade tem mobilizado lideranças indígenas, que denunciam a aprovação da Lei 10.820/2024, norma estadual que reestrutura a política educacional nas aldeias e, segundo os movimentos, ameaça os princípios da educação intercultural e bilíngue garantidos pela Constituição. A lei também tem sido usada para perseguir professores indígenas, muitos dos quais já foram exonerados por defenderem o ensino tradicional em seus territórios.

A ofensiva contra os direitos originários levou a uma crescente onda de protestos em Belém, incluindo marchas, ocupações de órgãos públicos e atos culturais. A mobilização ganhou o apoio de artistas de projeção nacional, como Anitta e Alok, que têm usado suas redes para denunciar o que chamam de “apagamento político e cultural da Amazônia profunda”.

Uma COP de promessas ou de escuta?
A poucos meses da COP30, cresce a pressão para que o evento em Belém não se torne apenas um palco para discursos ensaiados e anúncios vazios, mas sim um espaço de escuta real das vozes amazônicas. A realização da conferência no coração da floresta não pode servir de cortina de fumaça para retrocessos legislativos e políticas de silenciamento.

O desafio está lançado: será a COP30 um ponto de inflexão na política ambiental brasileira ou mais um capítulo na história de promessas verdes que desconsideram os povos da floresta?

Da redação do Valor Amazônico

Fotos: COIAB/Divulgação

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