Advogado indígena acompanha julgamento de empresário alemão acusado de explorar sexualmente menina Kokama
Sentença do caso Wolfgang Brog, condenado no Brasil a 30 anos de prisão, será anunciada em Munique e representa um marco na luta por justiça internacional para povos indígenas
Por Dora Tupinambá (*)
O advogado indígena Isael Munduruku, presidente do Instituto de Direitos Indígenas, embarcou neste sábado (2/8) para Munique, na Alemanha, onde acompanhará a etapa final do julgamento do empresário alemão Wolfgang Brog, de 77 anos. Brog já foi condenado no Brasil a 30 anos de prisão por explorar sexualmente, durante quase uma década, uma adolescente da etnia Kokama, mas fugiu para seu país de origem após a sentença.
A expectativa é que a sentença da justiça alemã seja anunciada entre 6 e 7 de agosto, em um momento considerado histórico para a responsabilização internacional de crimes cometidos contra povos indígenas. “Não é apenas a busca por justiça para uma vítima Kokama. Este caso mostra que povos indígenas podem se unir e lutar por seus direitos, mesmo em tribunais além das nossas fronteiras”, afirmou Isael Munduruku, que representa juridicamente a vítima desde o início do processo.
Uma história marcada por abusos e impunidade
Wolfgang Brog construiu uma imagem de empresário respeitado no turismo ecológico do Amazonas. À frente da empresa Amazon Travel Brazil e proprietário da pousada Cheiro de Mato, em Novo Airão, ele se apresentava como defensor da floresta e produtor de documentários sobre a Amazônia.
Por trás da fachada, porém, mantinha um esquema de exploração sexual sistemática. Os crimes começaram em 2013, quando a vítima tinha apenas seis anos, e se intensificaram quando ela completou 12. Investigações revelaram que a pousada servia também para oferecer menores a hóspedes estrangeiros. O caso só veio à tona quando a adolescente, aos 15 anos, gravou um vídeo que se tornou prova central para a condenação.
Solidariedade entre povos indígenas
A atuação de Isael Munduruku como advogado da vítima tem um significado simbólico importante: ele é da etnia Munduruku e representa uma jovem Kokama, evidenciando a união entre povos originários diante das violações de direitos. “A solidariedade entre etnias é fundamental. Essa luta não é apenas de uma comunidade, mas de todos nós que buscamos respeito e dignidade para nossos povos”, destacou Isael.
O processo também reforça a aplicação da Resolução 454/2022 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que garante autonomia aos povos indígenas para constituir advogados e ingressar em juízo sem necessidade de formalidades burocráticas.
Justiça além das fronteiras
A prisão de Brog na Alemanha e seu julgamento em Munique são vistos como um marco na cooperação internacional contra crimes transnacionais. A legislação alemã permite julgar cidadãos do país por crimes cometidos no exterior, o que possibilitou a continuidade da responsabilização, mesmo após a fuga do empresário.
Em novembro de 2024, a adolescente Kokama esteve em Munique acompanhada de Isael Munduruku e foi ouvida pelas autoridades alemãs, em um episódio histórico: pela primeira vez, uma jovem indígena brasileira teve sua voz registrada em um tribunal europeu.
Marco histórico para direitos indígenas
A presença de Isael Munduruku na audiência de sentença simboliza a perseverança na busca por justiça e a amplificação da voz indígena em arenas internacionais. Para organizações de defesa de direitos humanos, o caso pode abrir caminho para novos precedentes na proteção de comunidades vulneráveis e no enfrentamento de crimes cometidos por estrangeiros contra povos originários.
“Ao ver um advogado indígena atuando em um tribunal europeu, mostramos ao mundo que nossos povos não são mais meros espectadores, mas protagonistas na defesa de seus direitos”, afirmou Isael antes de embarcar.
A decisão da justiça alemã será acompanhada com atenção por organizações nacionais e internacionais, que veem no caso Wolfgang Brog um exemplo de que nenhum criminoso deve encontrar refúgio seguro para escapar das consequências de seus atos.
(*) jornalista, colaboradora do Valor Amazônico
Fotos: Arquivo Pessoal do advogado