ESPECIAL PARINTINS 2025

Muros que cantam a cultura de Parintins

Pintados de vermelho e azul, os muros da Ilha Tupinambarana contam histórias de amor, tradição e resistência cultural que atravessam gerações

Em Parintins, cada rua, cada esquina e, sobretudo, cada muro, é testemunha viva de uma paixão que atravessa séculos: o amor incondicional pelos bois Caprichoso e Garantido. Às vésperas do 58º Festival Folclórico, que acontece nos dias 27, 28 e 29 de junho, a cidade se veste, literalmente, das cores que dividem corações, mas unem uma cultura que é orgulho da Amazônia.

Se uma linha imaginária — traçada a partir do Bumbódromo — separa a cidade em azul e vermelho, os muros fazem o papel de verdadeiros altares populares, onde cada pincelada carrega memórias, afetos, heranças e promessas de que a tradição jamais morrerá.

No lado azul, o amor que não se apaga

No bairro conhecido como reduto azul, uma casa de madeira se destaca. As paredes são pintadas de branco e azul, adornadas com estrelas, símbolos e traços do Boi Caprichoso. É o lar de Ana Rita Mendonça, 53 anos, herdeira de uma paixão que aprendeu com os pais e que mantém viva, ano após ano.

“É uma paixão que não tem explicação. Quando eu vejo esse muro, lembro dos meus pais, que sempre foram apaixonados pelo nosso boi. Isso aqui é mais que uma casa, é uma relíquia. Todo mundo passa, para, tira foto, faz vídeo. E essa pintura não sai, fica o ano todo. Eu só vou trocar o brasão pela cara do boi, mas azul ela sempre será”, diz Ana, sorrindo, com o peito inflado de orgulho.

No lado vermelho, amor que ecoa no som do rocar

Do lado oposto, no território do Garantido, quem passa pela rua não tem dúvida de que ali mora um amor encarnado. Na casa de Astrid Almeida, 64, e de seu companheiro, Euclides Porrotó Filho, 52, o muro é vermelho vibrante, enfeitado com o brasão e os símbolos do boi da baixa do São José.

 “É mais do que tradição. É uma declaração de amor ao nosso boi e à nossa própria história. Pintar esse muro todo ano é renovar nossa fé no Garantido e também no amor que temos um pelo outro. Aqui não tem cansaço, tem orgulho. E ainda fazemos isso escutando o som do nosso rocar”, conta Astrid, enquanto ajeita o instrumento que ela e Euclides carregam na ala musical da Batucada.

Para eles, que vivem o Festival de dentro — na vibração da Marujada ou no compasso da Batucada —, pintar a casa é, no mínimo, uma extensão da própria alma.

 “Nós somos da Batucada, então isso aqui é uma continuidade do que sentimos na arena. É o mínimo que podemos fazer pelo nosso boi, pela nossa cultura e por tudo que o Garantido representa para nós”, reforça Euclides.

A cidade que se transforma em arena

Enquanto os bois se preparam para mais uma disputa histórica, Parintins já está em festa. As casas, os muros, os quintais e até as calçadas se tornam vitrines do amor que pulsa por toda a Ilha Tupinambarana.

A tradição de pintar os muros vai muito além do festival. Ela simboliza a resistência de um povo que, geração após geração, mantém viva a mais genuína expressão do folclore amazônico — um patrimônio imaterial que transforma a cidade, durante todo o ano, em uma grande e vibrante arena a céu aberto.

Em Parintins, quem tem muro, tem história. E quem tem história, tem boi no coração.

Fotos: Mauro Neto

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